Em tempos de mundo hiperconectado, atenção é o maior elogio que podemos receber.
Essa edição está enorme, mas espero que você tenha tempo e paciência de ir até o final!
Antes que já venham me chamar de comunista pelo título (aquela saudade das brigas de família nas eleições, só que não.) quero lembrar que há 11 anos sobrevivo nesse mundão trabalhando com inteligência para aumentar vendas em varejistas. E não, não estou falando daquele varejo de itens essenciais, mas sim daquele que tá bem longe das necessidades da pirâmide de Maslow, ou seja, vou daqui direto pro inferno, já sei....mas isso não me impede de vez ou outra ter as minhas questões com o capitalismo, ainda mais quando o começo do ano foi um prato cheio pra gente pensar e repensar sobre o assunto...
Um disclaimer aqui: antes do varejo tive uma passagem pelo mercado financeiro, setor que talvez não tive estômago pra aguentar, mas que me deu uma boa base pra entender um pouco desse mundo aí. Enfim, já tendo migrado para o varejo (troquei um demônio pelo outro né?) lembro bem quando começou o boom do lançamento do livro Sonho Grande, contando a história do que até então pra mim eram só os caras da Ambev.
Li o livro, confesso, que muito mais porque queria entender o frenesi ao entorno (as vezes faço isso, aconteceu também com Crepúsculo, que detesto por sinal, mas como disse na edição passada pra criticar tem que saber, orgulho da coerência aqui rs), do que por interesse. Ajudou também o fato do livro ter sido citado em absolutamente TODAS as interações que tive com o CEO da empresa que trabalhava na época. Então como boa funcionária veste a camisa, lá fui eu ver o que esse livro tinha pra ter virado destaque na cabeceira da Faria Lima e pro tal dos caras estarem sendo considerados os revolucionários do capitalismo brasileiro.
Eis que terminei o livro, e minha conclusão foi que esses caras eram uns babacas (foi mal você aí que idolatra eles), o estilo de vida que propunham aos funcionários, o modo como tratavam a cadeia de seus negócios, eu achei tudo péssimo. Mas no auge da minha “maturidade” de 23 anos e no meio do auê todo em torno do livro ficava me questionando se talvez eu não era idealista d+ com as minhas ideias de gestão, afinal estava apenas ainda dando baby steps no mundo dos adultos.
Corta para anos depois com a bomba que caiu em cima de todos nós da Americanas, e então revisitei as ideias daquela garota de 20 anos....li um questionamento muito bom no Linkedin, e que não vou lembrar a fonte, mas que falava que enquanto o método sonho grande só afetava a vida de funcionários e fornecedores ele era considerado brilhante, foi só quando mexeu no bolso da galera do mercado financeiro que eles viraram os demônios...seria fraude? Quem é pior que quem nessa história toda? E os milhões de empregos que a Americanas gera? E os empregos indiretos dos fornecedores? Qual o tamanho do impacto de um... será erro ou irresponsabilidade?
Ao mesmo tempo, que a Americanas domina os noticiários é só abrir o Linkedin pra ver notícia de Layoff (em bom português: demissão em massa) todo dia. Acho engraçado que muita gente posta textão em agradecimento á empresa, sobre os aprendizados, como se entendesse esse momento, etc etc. Bom, verdade seja dita, eu fui atingida por uma dessas demissões no ano passado (ouch, vai doer assumir isso publicamente, mas acho que eu e minha terapeuta vamos ficar orgulhosas no final...), e desculpe, talvez eu não cheguei nesse estágio de evolução, mas não consegui compreender o momento.
Não sou Polyana, sei que as empresas estão aí pra dar lucro e tal, e embora o discurso de ESG, saúde mental, sejam a bola da vez são as primeiras questões a serem sacrificadas quando a coisa aperta, ainda mais quando penso que a grande maioria dessas demissões foram feitas sem cuidado algum com os funcionários.
Na verdade o que vejo é um monte de irresponsabilidade em busca de retorno rápido, empresas se alavancando com promessas, sem retorno algum e investidores alimentando isso. Se inflam quadros de funcionários, se inflam escritórios, se inflam discursos que pegam bem no marketing, mas no fundo não se executa para melhorar o resultado, apenas se sobrevive até a próxima rodada de captação.
Alguém está ganhando muito nessa conta, e mesmo quando o dinheiro fica escasso, vem a lei da selva de pedra: o antes eles do que eu... ser humano querendo se dar bem em cima de ser humano e não vamos ser hipócritas, tenho plena consciência que por vezes ajo assim também, talvez seja da nossa natureza mesmo....mas e quando isso atingi pessoas em grandes proporções? Os grandes gestores têm essa preocupação? Eu cada vez mais acredito que não há preparo para essas questões. Não sei se o MBA de Wharton ou (coloque aqui sua universidade renomada preferida) ensina essa parte...nem se muito desses grandes empresários estão interessados na verdade.
E antes que digam que eu estou aqui colocando a culpa nas empresas, queria levantar um outro ponto que me chamou atenção essa semana.
Se você acompanhou o mínimo de fofoca (lembrando que fofoca é cultura pop e portanto tema importantíssimo de ser acompanhado), certamente já está sabendo da nova música da Shakira cheia de indiretas para o seu ex marido, o ex-jogador Pique.
Bom lá vou eu problematizar até a fofoca...dizem os versos de Shakira que ele trocou um Rolex por um Cássio, e aí que no meio desse bafafá todo Pique anuncia uma suposta parceria com a marca, sim a Cassio. Prato cheio pros meus grupos de whatssap começarem a discutir, como uma marca se associa há um comportamento visto como tão inadequado, afinal em tempos onde tudo vira motivo de cancelamento isso seria não só um tiro no pé, mas também um atitude machista e portanto reprovável. Mas a marca mesmo assim não se incomodou em ser anunciada como uma suposta parceira. Foi Ruth Manus quem levantou a bola, da certeza da não punição ou a total falta de enxergar o problema a ponto de lucrar com ele. E quanto a marca? Cade o posicionamento? Ou vamos para a máxima falem mal mas falem de mim? E quanto aos consumidores? Será que realmente ninguém se importa em consumir marcas assim e cá estou eu sendo idealista de novo igual lá aos 23 anos?
Eu sei, a maioria das pessoas tem que se preocupar principalmente em sobreviver, não se o empresário x é legal, ou se a empresa y se posiciona de forma correta, ou se a produção é fair com os funcionários, mas já que desisti que a mudança de comportamento venha por parte das empresas, não seria o consumidor o maior agente que demande essa mudança? Não seria nosso papel de quem vive na bolha, iniciar essa cobrança?
De novo, não estou me colocando como a consumidora perfeita (alias acabei de realizar uma compra naquela empresa que me demitiu porque o preço estava mais barato, shame on me), também dou minhas escorregadas, mas tento ir alinhando o que acredito e consumo aos poucos....
E pra terminar o balde de água fria desse começo de ano, a renúncia da primeira ministra da Nova Zelândia me deixou de coração partido. Embora admire a coragem de admitir que não tem mais gás pra dar, a vulnerabilidade publicamente (nota mental pra desenvolver esse ponto) e o não apego ao poder, fico pensando como no final nosso lado humano acaba sendo engolido em maior ou menor escala pelo mundo do jeito que ele é, e não como gostaríamos que fosse e o quanto de humanidade perdemos para jogar a regras do jogo.
Levantei um monte de questionamento aqui, critiquei um monte de coisa, mas se você esperava uma solução brilhante pra salvar o mundo ou um motivo pra me chamar de idiota, sinto informar que não tenho nenhuma alternativa melhor para apresentar. Mas toda essa reflexão me lembrou de voltar em um texto antigo do Nizan Guanaes para a Folha de São Paulo lá de 2015 (se você não assina a Folha é só jogar no google que você acha), no qual ele diz que reza não para ser santo, mas para ser homem, no sentido de ser mais humano, como pessoa, como pai e principalmente como empresário.
Nas palavras dele, acreditar em Deus (ou chame aqui como quiser) impede que que a gente se ache Deus e evita que sejamos movidos pela besta que há no homem.
E quer saber, talvez no final a conclusão seja essa...rezar, meditar, pensar, escrever, discutir aqui com vocês, não para sermos santos como ele disse, mas para sermos menos dominados pela besta que existe em cada um de nós e quem sabe sermos um pouco melhores a cada dia, independente da loucura do mundo lá fora.
Ps1: Em tempo, a frase da imagem de abertura é de um dos meus livros favoritos: Roube como um artista: aqui o link se quiser conferir.
Ps2: Não posso deixar de agradecer você que chegou até aqui. Obrigada pela atenção <3
Pra Ficar de Olho…
- Como fica o marketing da Americanas ?
- Funcionários da Amazon foram notificados de demissão apenas por email.
- Aqui a nova música da Shakira com a letra, se você estava em marte e ainda não ouviu.
Mari, que saudades de voce! queria muito um dia ficar num bar bebendo e trocando essas conversas com voce. É tão bom quanto terapia.
Voce levanta pontos interessantes a serem discutidos e pensados, eu gosto de ler suas newsletter que me esqueço do mundo lá fora e fico imaginando voce falando tudo isso. Eu gostaria de estar ae do seu ladinho, te dando um abraço, as vezes um chacoalhao ( ehehehe), mas queria poder tirar todas as suas angústias dentro de voce, mas isso faz parte de voce, de mim, de todos nós né? então obrigada por escrever e deixar a gente entrar um pouquinho na sua cabeça....sinta meus braços envolvendo voce virtualmente!!!
ps...aproveite as liquidaçoes sim..voce é filha de Deus e nao tem problema nenhum comprar o que voce quer e gosta eheheheheh
O importante é sim levar todos esses assuntos pra discussão! O debate é sempre a forma mais válida e importante, e o início de qualquer mudança!