Resisti muito, muito mesmo a escrever uma edição que abordasse as Lives, sobretudo as lives NPC que bombaram de artigos de todo jeito nas últimas semanas.
Inicialmente fiz parte do time de pessoas que olhavam para esse novo comportamento e pensavam se o futuro vai caminhar para isso será que quero mesmo fazer parte dele?
NPC - é a sigla para Non-playable character, alguns influenciadores imitam esses personagens secundários de games em suas lives reagindo apenas quando há interação com o público, o que faz com que tenham reações repetidas como em um jogo de video game - alguns cases viralizaram pois fizeram muito dinheiro com esse tipo de live e a discussão explodiu na internet após o deboche de um deles falando que não nasceu para empregos convencionais quando conseguia ganhar muito mais dinheiro com essas lives. Para mim a melhor maneira de realmente entender como funciona é assistindo a alguma live dessas, já que parece tão maluco que fica até abstrato explicar.
Nas últimas semanas consumi muito conteúdo sobre essas lives, e estava achando tudo uma grande bobagem, dizendo que pior era quem assistia do que quem fazia, que como sempre a culpa caí sobre o produtor, da plataforma, mas aquela aundiência toda que está lá para ele ninguém cita.
O que me fez repensar foi um evento da Amazon que tive a oportunidade de ir na mesma semana que análises do NPC dominavam minhas leituras.
A gigante varejista on line apresentou uma plataforma sua justamente para streamers (seria esse o novo nome do influenciador?). A plataforma da Amazon, concorre com Instagram, youtube, tiktok, basicamente ao invés de utiliza-las para a sua live, você pode utilizar a deles.
Uma streamer (aparentemente importante) foi convidada para uma roda de conversa, na qual a Amazon tinha por objetivo primeiro desmistificar que lives estariam ligadas apenas ao mundo gamer, e segundo incentivar as empresas de que não só gamers mas streamers no geral, além das suas lives nas suas áreas de expertise acabam falando sobre seus lifestyles, o que usam, o que não usam, e portanto era um novo canal com alto potencial para anúncios pagos.
A streamer em questão fazia lives sobre leitura. Eu como entusiasta do assunto imaginei logo um grande clube do livro até ela falar que já tinha feito lives de 24h em que as pessoas ficavam assistindo ela ler. Imaginei portanto uma espécie de audio book ao vivo - mas como assim ela aguentava falar por tanto tempo? Ao longo do tempo ela foi explicando melhor como a sua live funcionava e me dei conta que basicamente consistia em pessoas assistindo ela ler um livro (como se alguém estivesse assistindo você a ler essa newsletter). Minha cabeça fez um belo BUM aqui!
Buguei! Saí do evento pela primeira vez em 10 anos questionando se não estava na hora de eu procurar um novo setor para atuar, pois não estava mais dando conta de compreender os avanços do mercado, talvez pela primeira vez tenha me sentido realmente “velha”, incapaz de acompanhar um novo comportamento.
Joguei o incomodo em alguns grupos de whatssap e a conversa foi longe. Descobri que existem além das NPCs, lives de pessoas dormindo, de pessoas passeando com seus cachorros e até mesmo uma live que parece ser a mais longa do mundo para checar se os bonecos do toy story se mexem.
Eu que estava até então achando tudo uma grande loucura comecei a me questionar o motivo de uma Amazon colocar diversos profissionais sêniors de diferentes marcas em uma sala e nos fazer prestar atenção naquilo como investimento.
A plasticidade do mundo real foi uma grande crítica do filme Barbie, mas não é de hoje que acompanhamos a avatarização da nossa civilização, como chamou a atenção a jornalista Maria Prata.
Quando colocamos um filtro na nossa foto para nos sentir melhor, ou o boom de procedimentos estéticos que vivemos nos últimos anos, assim como a ascensão do street style, são todas camadas que adicionamos a nós mesmos para chamar atenção em algum grau nas redes sociais, ou logo para o outro, o que queremos senti com isso?
E se as redes sociais hoje são o novo espaço principal de entretenimento, assim como a TV foi um dia, o que difere assistir uma live de assistir a um reality show? Aliás será que a globo um dia também não colocou um monte de marca em uma sala e falou que ia colocar x pessoas em uma casa com cameras 24h e que ali tinha uma oportunidade de negócio?
Se pensarmos que o reality show evoluiu das linguagens de novelas, porque sentiu-se uma demanda de acompanhar histórias mais reais, e consequentemente mudamos nosso foco de atenção para as redes sociais, podemos entender as lives como os novos realities.
Uma frase que ouvi esses dias e que ficou na minha cabeça é que a necessidade humana sempre vai ser maior que o hype, logo se o ser humano precisa de conexão as lives podem vir sim a cumprir esse papel, seja na busca por informação, entretenimento, companhia, ou até na necessidade de encontrar alguém a quem podemos controlar, ou mesmo humihar (shame on us aqui).
Foram as lives que nos entreteram na pandemia preenchedo o espaço de qualquer coisa que acontecesse em tempo real e não gravado como tudo estava sendo. E pra você que acha que tudo isso é uma grande pira da geração Z, são pessoas entre 40-50 anos que costumam dar mais dinheiro nas lives segundo o youtuber Felca, em entrevista ao UOL.
Todo esse mundo online nos tras a sensação de escapismo, no online que encontramos a nova escola, o novo shopping, até mesmo um novo amor…mas também uma descarga de dopamina jamais reebida no cerébro que já vem sendo bastante estudada com o aumento das horas que passamos em frente as telas e concordo. há sim questões mais profundas a serem debatidas sobre certos tipos de lives com certos conteúdos. A legislação, ou a ciência infelizmente nunca são tão rápidas a ponto de acompanhar os comportamentos e suas consequências.
O que mais me preocupa talvez é pensar que enquanto a Inteligência artificial está aí fazendo trabalhos criativos que cada dia menos conseguimos diferenciar de trabalhos de fato realizados por humanos (oi foto do papa), no tempo livre que deveria nos sobrar estamos nós humanos cada vez mais agindo como robôs.
No entanto o que me acalmou o coração ( e talvez a minha carreira por mais alguns anos) foi refletir e ver que o entretenimento e a busca por conexão de todas as formas já existe há tempos, só encontrou uma nova plataforma, no fundo não é tão diferente assim do que já estávamos acostumados.
Cabe mais uma vez a nós fazer a seleção de que tipo de conteúdo vamos querer consumir, e procurar auto conhecimento para também entender qual a falta que esse tipo de conteúdo preenche em nós.
Parei de demonizar tanto as lives ( ou e colocar como eração superior), porque como tudo entendi que há coisas boas e ruins ali, me senti menos ultrapassada e mais empatica com o comportamento Gen Z e no final só posso agradecer a Amazon e aos meus amigos pelo “café” da semana passada e por terem me ajudado a refletir.
Pra Ficar de Olho:
- A bizarra transformação do entretenimento.
- Como Felca perdeu o controle da piada e “destrui” o tiktok com lives NPC.